quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Lágrimas secas

Ontem no ônibus (claro) rolou um lance tenso.

Um moleque de rua entrou no ônibus, mas o cobrador não queria deixá-lo ficar, pois, aparentemente, ele estava drogado e com um pote de cola nas mãos. Uma moça de xale branco, com boas intenções mas muita demagogia, começou a dar lição de moral e a clamar pelos direitos do moleque. E o moleque, nem percebendo que alguém o defendera, ameaçou o cobrador. Dois manos resolveram dar um jeito na situação e puseram o tal para fora. Ele correu e tacou uma pedra no ônibus. Alguns passageiros riam, excitados com a desgraça alheia ou para disfarçar o medo de que aquilo se tornasse em algo maior; os manos xingaram a moça do xale branco e se sentiam os justiceiros do ônibus.

E eu, assistindo de camorote aquilo, senti uma vontade de chorar. Pelo temor que o incidente se transformasse numa desgraça tão comum nos noticiários, porém mais por pena da vida daquele moleque se resumir a uma sucessão de humilhações. Como esperar boas atitudes de alguém que é expulso de um ônibus, recebe olhares de nojo ou, pior, não-olhares de cada transeunte e ainda dorme com a cara contra o concreto todas as noites? Senti os olhos queimarem com as lágrimas iminentes e pensei: "por que eu quero chorar?" Por que diante daquela discussão acalorada tudo o que eu poderia fazer era chorar? Percebi, então, que minha vontade de chorar se traduzia em uma tentativa de ficar com a mente tranquila diante de uma injustiça. Chorando, eu demonstraria compaixão (mesmo que apenas para mim) por aquele moleque, vítima de uma armadilha social, e, enfim, teria feito minha parte diante desse problema. Escorreriam minhas lágrimas, eu pensaria "pobre criança" e, pronto, ficaria com a minha consciência leve. Conclui que chorar era uma atitude tão demagoga quanto a da moça do xale branco que, depois de coagida por todos os passageiros, disse que não estava defendendo ninguém. Minhas lágrimas, ali, mesmo que sinceras, esconderiam também um ato de superioridade: com meu pranto, eu demonstraria o pesar de uma cidadã por um pobre excluído. Enguli, então, o choro - mesmo que isso também significasse não fazer nada.

Um comentário:

Pedro de Gouveia disse...

E chorar no meio do busão ia ser feio ahahahah... bela reflexão...